Pesquisa
Pesquisador da Ufac mostra que segurança na posse da terra reduz desmatamento no Acre
Um estudo liderado pelo professor João Paulo Santos Mastrangelo, do Centro de Ciências Biológicas e da Natureza (CCBN), Ufaac, concluiu que propriedades rurais com maior segurança na posse da terra desmatam menos e cumprem mais o Código Florestal no estado do Acre. O artigo foi publicado na revista científica internacional World Development e analisa o papel da governança fundiária na contenção do desmatamento na Amazônia brasileira.
A pesquisa utiliza uma base de dados inédita, com informações em nível de propriedade para 35.067 imóveis rurais privados registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Acre, que juntos somam cerca de 5,9 milhões de hectares, o equivalente a 36% do território estadual. Os autores avaliam o desmatamento ocorrido entre 2009 e 2018, período que inclui tanto a fase de queda quanto a retomada recente das taxas de desmatamento na Amazônia. O trabalho considera dois resultados principais: a proporção da área desmatada em cada propriedade e a probabilidade de cumprimento do Código Florestal, que em geral limita o desmatamento a 20% da área dos imóveis rurais na Amazônia, distinguindo ainda imóveis em situação fundiária regular de áreas ocupadas de forma irregular.
O estudo adota como indicador de segurança na posse da terra a ausência de sobreposição de polígonos no CAR, isto é, a inexistência de disputas aparentes por uma mesma área na base georreferenciada. Propriedades sem sobreposição de limites foram classificadas como tendo maior segurança fundiária, enquanto imóveis com áreas sobrepostas foram considerados em situação de insegurança. Os resultados mostram que imóveis com segurança na posse apresentam uma proporção de área desmatada entre 1 e 2,6 pontos percentuais menor que propriedades semelhantes em situação de insegurança, dependendo da metodologia estatística utilizada. Em termos relativos, isso significa que o desmatamento pode ser até cerca de um terço menor em áreas com segurança fundiária, quando comparadas a propriedades com sobreposição de reivindicações de terra.
Além de reduzir o desmatamento, a segurança na posse da terra aumenta a probabilidade de os produtores rurais cumprirem os limites de desmatamento previstos no Código Florestal. Entre imóveis que não tinham ultrapassado 20% de desmate até 2008, propriedades com segurança fundiária apresentaram taxas de conformidade entre 5 e 11 pontos percentuais maiores do que aquelas sujeitas a sobreposição de área. O estudo também analisa o comportamento de imóveis que já haviam desmatado mais de 20% antes de 2008 e foram anistiados pela mudança do Código Florestal em 2012, mostrando que, mesmo nesses casos, a segurança na posse está associada a maior probabilidade de não ampliar o desmatamento após o período de anistia.
Para chegar aos resultados, os autores utilizaram diferentes estratégias econométricas, incluindo modelos com efeitos fixos por proprietário e métodos de ponderação por escore de propensão, capazes de controlar diferenças observáveis e não observáveis entre as propriedades analisadas. A convergência dos resultados entre os modelos reforça a evidência de que a segurança na posse da terra tem efeito causal relevante na redução do desmatamento. O artigo argumenta que a simples emissão de títulos individuais não é suficiente para garantir conservação florestal se não vier acompanhada de uma governança fundiária eficaz, capaz de evitar sobreposições, grilagem e conflitos pela terra. Nessa perspectiva, o CAR se destaca como ferramenta central não apenas para monitoramento ambiental, mas também como indicador das falhas e avanços na governança de terras na Amazônia.
A pesquisa destaca o Acre como caso importante no debate sobre desenvolvimento e conservação, lembrando tanto a trajetória histórica de resistência de movimentos sociais da floresta quanto o fato de o estado integrar uma nova fronteira recente de desmatamento na região amazônica. Ao usar dados detalhados em escala de propriedade, o estudo contribui para qualificar o debate sobre políticas de regularização fundiária, combate à grilagem e fortalecimento das instituições de controle do desmatamento no Brasil. O trabalho reforça a mensagem de que investir em segurança na posse da terra, com regras claras e instituições capazes de garanti-las, é componente essencial das estratégias de redução do desmatamento e de promoção do desenvolvimento sustentável na Amazônia.